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carro de boi,

construção,

partes e peças

"Que vontade eu tenho de sair
Num carro de boi ir por aí
Estrada de terra que
Só me leva, só me leva
Nunca mais me traz
Que vontade de não mais voltar
Quantas coisas eu vou conhecer
Pés no chão e os olhos vão
Procurar, onde foi
Que eu me perdi
Num carro de boi ir por aí
Ir numa viagem que só traz
Barro, pedra, pó e nunca mais"
milton nascimento

Tem carro de boi, e tem carreta. Carreta tem roda raiada e é muda, não canta. Carro de boi tem roda inteira, e canta para se ouvir de léguas, seja gaita, pombo ou baixão . É coisa de sertanejo, é uma saudade doída deum tempo onde se ia devagar, mas havia mais tempo para ver e entender as coisas. Saber de carro de boi, é mexer com magia, é entender a alma da madeira e do ferro, da terra e do fogo, da água e do ar.

O carro de boi foi nosso principal meio de transporte no período colonial, no império e até na era republicana. Mas, vamos só falar da coisa em si, do que o Professor Ramalho reuniu ao longo dos anos, trocando prosa com carapinas, candieiros, carreiros, fazendeiros lá das bandas de Taquaritinga, Jaboticabal, Guariba, Monte Alto, Santa Adélia, e arredores. Juntou a ciência da feitura, “causos”, muita coisa boa de conhecer.

No Brasil Colonial

Desde os primeiros tempos da colonização portuguesa, os carros de bois foram utilizados no Brasil. Desde aquele tempo conservam as suas características originais: são praticamente os mesmos de há 400 anos, embora com pequenas alterações.

A escravidão africana e os carros de bois foram as duas fontes vivas de energia quase gratuitas utilizadas pela economia no Brasil e no período imperial, até a assinatura da Lei Áurea, em 1888. Por isso, muitas vezes essas duas grandes forças aparecem juntas nos meus quadros. Para que nos lembremos de onde viemos e para onde queremos ir.

A Construção

Visto de frente, de lado, de cima e de baixo, o bicho é veículo simples, de duas rodas. Todo feito de madeira, menos os aros das rodas, a chaveta e o argolão, que são de ferro, leva as cargas na mesa, que remonta no par de rodas e tem um varejão reforçado onde se atam os bois, chamado cabeçalho. As rodas são de cabreúva, a parte do centro é chamada meião e lateralmente se limita com as duas cambotas. O meião, perto das cambotas, tem sempre dois buracos, o bocão, ou oca, que é para o som criar força e ecoar. O aro da roda é de ferro, e para ser calçado, é forjado na bigorna, a malho, redondo perfeito, então esquentado quase ao vermelho numa fogueira de roda. O ferreiro e os ajudantes o ajeitam em cima da roda, no chão, acertam rápido com golpes de malho para não ficar torcido e, estando paralelos, o esfriam com água. O ferro se contrai de a madeira estalar… Nunca ninguém mais tira. Os cravos de meio palmo eram só pelas dúvidas.

O eixo também é da desaparecida cabreúva, oitavado e com morgueiras dolado de dentro, para o chumaço não escapulir do cocão. São dois de cada lado, e é por donde gira o eixo. O chumaço deve, de preferência, ser feito de canelão, pra o carro realmente cantar. Madeira dura canta fino, de gaita, canelão canta de pombo ou canta baixo. Capixingui, baraúna e caviúna fazem carro cantar até sem carga, mas pedem óleo de copaíba. Canelão canta com óleo de mamona. Esse fica num chifre chamado azeiteira, amarrado com correia num fueiro, e uma vara com trapo na ponta é usada para por óleo no chumaço. Tem vez que o eixo, no atrito com o chumaço, chega a fumacear e levantar labareda. Aí o carreiro pega os cachos de mamona verde e limpa a cantadeira, que é a área do chumaço ajustada no eixo.

As Madeiras

As madeiras empregadas para fabricar carros de boi são, em geral, as seguintes: Mesa: sucupira, óleo vermelho (cabreúva), ipê, tabaco, garapa cipó, jacarandá da Bahia; Chedas: sucupira e as demais usadas na mesa; Eixo: óleo vermelho; Arreias: roxinho, óleo; Tornos ou pinos: roxinho, óleo; Fueiros: tambu, garapa, pitangueira, guamirim, calcanhar de cotia; Cavilha: roxinho ou óleo vermelho; Pigarro: óleo vermelho ou sucupira; Cocões: óleo vermelho; Chumaço: canela sebosa, leiteiro, figueira sangra dágua; Canga: bico de pato, caviúna, sapuva(saperetê), jacarandazinho da várzea(sapuvão) e jacarandá; Canzil: laranjeira da mata virgem, roxinho, peroba, ipê, laranjeira de casa, óleo pardo, pitangueira e pequiá.

Tamanho das peças do carro de boi

Mesa: comprimento 3 metros por 1,30 de largura; Cabeçalho: 4,5 a 5 metros; Eixo: 1,65m de comprimento e 22 centímetros de espessura ou 9 polegadas; Roda: 1,20m de altura; Fueiros: 1,20 a 1,50m de comprimento.

Nota: Estas medidas variam de acordo com o tamanho do carro.

Fonte:  Paulo Roberto Moura Castro 

glossário

A

 

  • agulhamento ou rosário: pequenos botões metálicos, arredondados ou ponteagudos, colocados circularmente nas rodas, para enfeite.

  • ajoujo ou soga: cordão de couro cru colocado em argolas nos chifres dos bois de uma mesma parelha,para uni-los, e evitar que escapem em caso da quebra eventual de um canzil.

 

  • almofada da roda: parte central da roda, de forma quadrada, tendo uma espessura maior que o resto da roda. Tem em seu centro a amecha ou buraco da roda.

 

  • amecha ou buraco da roda: buraco na parte central da roda que é prensado na ponta da espiga do eixo da roda.Tem secção quadrada e perfil cônico. A roda é travada no eixo por meio de duas cavilhas, também cônicas.

 

  • arreia: respiga de madeira, de secção retangular e de perfil cônico, servindo para travar partes do carro, como na roda e na mesa.

  • assoalho do carro ou mesa: base do carro onde é transportada a carga. É constituida pelas chedas, cabeçalho e tábuas do assoalho.

 

  • azeiteiro: chifre de boi com tampa feita de couro, onde é guardado o azeite de mamona, utilizado para lubrificar a cantadeira. O azeite é aplicado com um pincel que fica ao lado ou dentro do azeiteiro.

B

 

  • braçadeira: peça de metal utilizada para travar as chedas e o cabeçalho, bem na frente da mesa.

 

  • brocha: peça feita de couro cru torcido utilizada para prender a cabeça do boi entre os canzis.

 

C

 

  • cabeçalho: peça central do carro e que une as partes constituintes da mesa. Vai da chaveta ao cadião, tendo em média de 4,5 a 5 metros de comprimento.

cadião ou recavém – prancha transversal de madeira, situada na parte traseira do carro e que une as chedas.

 

  • cambota: peça semi circular de madeira. Cada roda tem duas cambotas e um meião.

 

  • candieiro: geralmente é um menino que vai a frente do carro,conduzindo os bois da parelha de guia. É um aprendiz de carreiro.

 

  • canga de coice: peça de madeira que serve para manter a parelha de bois unidas ao carro. Esta canga é utilizada pelos bois que vão junto ao cabeçalho e que são os responsáveis por suportar o peso nas descidas íngremes e manobras do carro.

 

  • canga de guia: peça mais leve que é utilizada pelos bois encarregados de ir à frente, dirigindo os outros bois.

 

  • canga de meio: canga leve utilizadas nas parelhas que vão entre os bois de coice e de guia.

 

  • cantadeira: parte do eixo de secção circular e que fica em contato com o chumaço.Esta dupla, presa entre os cocões, é responsável pelo canto melodioso do carro de boi.

 

  • canzil: peça de madeira de perfil curvo que é colocado na canga para prender a parelha de bois. Cada canga tem 4 canzis, dois para cada boi.

 

  • carniço: tampa traseira de bambu que fecha a esteira ou canistro.

 

  • carreiro: pessoa que conduz o carro de boi carregando a vara de ferrão. Vai ao lado ou em cima do carro.

 

  • carro de boi: veículo simples para transporte de cargas agrícolas, mas que tem uma tecnologia extraordinária, advinda de muitos séculos de utilização em todo o mundo.No Brasil veio de Portugal e espalhou-se por muitos Estados, principalmente Minas Gerais e Goiás. Seu tamanho varia de acordo com o peso a ser transportado. Costuma-se falar em carro para 4, 6 ou até 10 cargueiros de milho.

 

  • cavilha, cavia ou cabia: pequena peça de secção circular ou triangular e que serve para travar peças de madeira que se unem nas várias partes do carro.

 

  • chapa de pião: aro metálico que circunda cada roda e que tem por função proteger a roda. Tem os piões, que são grandes pregos que atravessam o aro e a madeira. Com isto ajudam na tração do carro em lugares escorregadios.

 

  • chapa lisa: o mesmo aro metálico, só que sem os piões. O uso de um ou outro tipo varia de região para região.

 

  • chaveta ou chaveia: peça de metal que prende a canga da parelha de coice através do tamoeiro ao cabeçalho, impedindo seu movimento para a frente.

 

  • cheda: peças laterais de madeira que compõem a mesa do carro. As de boa qualidade são feitas de pranchas tiradas de árvores naturalmente tortas, com a curvatura necessária para a confecção da cheda, dando-lhe com isto muito maior resistência, pois a veia da madeira acompanha a curvatura da cheda.

 

  • chumaço: peça de madeira semi circular de madeira mais mole que a cantadeira e que juntas fazem o carro cantar e ringir.

 

  • cocões: peças de madeira em número de duas em cada lado da mesa e que se ajustam ao eixo do carro (nas cantadeiras), para que o carro possa ter tração.

 

D

 

  • degolo oitavado: o eixo do carro é oitavado e a parte que fica entre as duas emborgueiras tem um estreitamento, que é chamado de degolo do oitavado.

 

E

 

  • eixo do carro: peça muito importante da transmissão do carro. É unido às rodas e ao mesmo tempo a mesa do carro. É uma peça única, normalmente feita de cabreúva e suas partes estão descritas no esquema número.

  • emborgueira ou morgueira: peça oitavada que fica de cada lado da cantadeira, cerca de três centímetros mais alta. Com isto impossilita a saída dos cocões de cima e também o deslizamento lateral.

 

  • encosto do cocão: peça de ferro colocada ao lado dos cocões e que tem por finalidade impedir que com o esforço e peso do carro os cocões se abram, prejudicando o andar e segurança do carro.

 

  • espigas ou ponta do eixo: são as duas extremidades do eixo onde as rodas são colocadas. Tem secção quadrada e perfil cônico para travar as rodas, que também tem amechas quadradas e cônicas.

 

  • esteira ou canistro: esteira de bambu com cerca de um metro de altura e que circunda a mesa do carro para o transporte de carga miúda, como milho, madeira, etc. A altura varia de acordo com o tamanho do carro.

 

F

 

  • fueiro: peças de madeira roliça com dimensão aproximada de um metro e que são colocados verticalmente ao redor da mesa para amparar a esteira ou a carga transportada.

 

  • furas das chedas: são os furos nas chedas onde são colocados os cocões.

 

  • furas dos fueiros: são os furos nas chedas onde são colocados os fueiros.

 

G

 

  • gato: peças de metal colocadas nas almofadas das rodas, transversalmente à veia da madeira para fortalecer a resistência da roda, enfraquecida pela presença da amecha.

 

I

 

  • inervação de canga: recobrimento por couro cru feito em cangas fraturadas, enfraquecidas por trincas ou até por enfeite.

 

M

 

  • meia lua: parte semicircular do cabeçalho que está em contato com o cadião.

 

  • meião: peça central da roda, de forma retangular e que junto com as duas cambotas, compõe a roda do carro.

 

O

 

  • olho, óculos ou oca: orifício situado nos limites entre o meião e a cambota e que tem por função amplificar o ringir dos cocões. Varia de forma e posição na roda de região para região. Observe que a linha que passa pelas ocas de uma roda é necessariamente perpendicular à linha que passa pelas ocas das outra roda.

 

  • orelha: peça de madeira colocada na ponta do cabeçalho logo atrás da chaveta e que tem por função impedir o deslizamento da canga para trás.

 

P

 

  • pião: prego metálico utilizado nos aros das rodas por alguns fabricantes de carro.Neste caso muitas vezes o aro não é soldado, sendo apenas superposto na emenda. Quem dá a resistência são piões.

  • pigarro: Suporte vertical, semelhante a um canzil que era colocado na parte dianteira do cabeçalho para que este não ficasse apoiado no chão quando os bois eram retirados do carro, ao fim do dia. Não é muito usado em Minas Gerais.

 

  • pincel: peça utilizada para espalhar o azeite de mamona na cantadeira. Fica junto ou dentro da azeiteira.

 

T

 

  • tiradeira ou cambão: peça comprida de madeira, com secção quadrada e que serve para unir uma

 

  • parelha a seguinte: na parte da frente tem a chaveta e na traseira uma rabada, que é um trançado de couro para prender uma parelha à seguinte.

 

  • tamoeiro: peça de couro cru, colocado no centro da canga e que tem por função prender a canga à chaveta da tiradeira ou cabeçalho.

 

V

 

  • vara de ferrão: vara com um ferrão e argolas que o carreiro utiliza para conduzir o carro. As argolas com seu tilintar são suficientes para os bois entenderem as ordens, mas quando necessário levam umas fisgadas com o ferrão. Dizem que o bom carreiro não usa o ferro, só o barulho das argolas.

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